sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Gomas mágicas

O Natal já tinha passado há mais de um mês e, esse facto, era evidente para o pequeno Gabriel ao perceber a relação tensa dos seus pais. A criança não assistia a discussões, mas reparava que os pais pouco se olhavam e falavam um com o outro. Nessa relação, os sorrisos, abraços, beijos e olhares ternurentos tinham desaparecido, juntamente com as palavras doces que acompanharam a ceia de Natal.
No entanto, o Gabriel compreendia que os pais não estavam zangados ou tristes com ele, porque brincavam e o acarinhavam como sempre fizeram. «Esqueceram-se apenas que é importante tratarem bem um do outro!», pensava o menino, enquanto tentava encontrar a árvore e as decorações de Natal, entretanto já arrumadas pelos pais no sotão da casa. Para frustração do Gabriel, a porta do sotão encontrava-se fechada à chave. «E agora?», questionou-se com desalento; «só o Natal os pode salvar!». Inquieto, remexia, dentro do bolso do casaco, o seu maior tesouro: uma pequena embalagem transparente com várias gomas coloridas. Como boa criança que era, o Gabriel atribuía poderes mágicos a alguns objectos e aquelas gomas preciosas tinham o poder da doçura, de todas as maneiras possíveis e imaginárias. Num lampejo de inspiração, tão frequente nas crianças, foi buscar um tubo de cola e dirigiu-se, então, ao quarto dos pais; pegou numa moldura, que envolvia uma fotografia do casamento deles, e colou as suas gomas mágicas nesse suporte, como se fossem enfeites de Natal. Para a magia ficar concluída, foi chamar os pais à sala. O pai encontrava-se a ver televisão e a mãe a ler uma revista, cada um para o seu lado, com a habitual distância de segurança de 10 metros quadrados. "Mãe, pai, venham comigo!", pediu o Gabriel.
Perante o trabalho do filho, os pais esforçaram-se por ficar apenas surpresos, mas tal espanto apenas servia para disfarçar um pouco a vergonha visível nos seus rostos enrubescidos. Naquele momento, a criança percebeu que ainda precisava dizer umas palavras poderosas, que se assemelhassem às qualidades fantásticas das suas gomas coloridas: "Não se esqueçam!", declarou, com toda a confiança e firmeza, como um velho e sábio mágico diria.