Tal deriva de um pensamento colectivo - para o qual uma massa crítica de pessoas contribui ou, pelo menos, aceita - que ainda valoriza a máxima da selecção natural aplicada às relações humanas: «vencer» os outros, para poder sobreviver e atingir a felicidade. Todavia, a lei da selva não deve ser aplicada a indivíduos com inteligência, supostamente, superior, porque o «sucesso» de poucos, não pode basear-se, naturalmente, em genuínos sentimentos de bem-estar, porque implica um esforço contínuo de negação do mal-estar geral dos que os rodeiam e o efeito emocional, essencialmente de culpa, que tal constatação da realidade induz. Para além disso, existe sempre um sentimento de insegurança inerente a um estado de aparente superioridade. De facto, se poucos têm o que muitos desejam, alguns, certamente, tentarão conquistar esses «tesouros» minoritários. A tensão e o conflito excessivos nascem de relações humanas em que uns são demasiado privilegiados e outros são, essencialmente, desgraçados.
O narcisismo geral vigente nas sociedades ditas «modernas» (esta modernidade é, essencialmente, uma primitiva forma selvagem de viver, relacionalmente, sob a lei da selecção natural), apresenta-se, realmente, como uma forma de expressão humana errada e perniciosa para todos, uma vez que, desse modo, a vivência geral é inevitavelmente infeliz, e aqueles poucos que se julgam, ilusoriamente, felizes terão que suportar viver num mundo que lhes transmite, sobretudo, infelicidade e incompreensão. Caso se persista neste status quo, para diminuir os desagradáveis efeitos secundários, a minoria reinante precisará, certamente, isolar-se cada vez mais, ao estilo dos gauleses nas histórias de Astérix e Obélix, e consumir quotidianamente uma espécie de poção mágica, que não induz uma real força e poder, mas tão somente uma negação, ou seja, uma selecção, artificial e distorcida, do que sentem do mundo, fechando-se cada vez mais sobre si próprios até que esse investimento contínuo de auto-centração, levado ao extremo, provoque, inelutavelmente, uma implosão psíquica num restrito e impermeável espaço identitário.